Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou resoluções que estabelecem regras para ampliar a presença de mulheres no Judiciário e garantir a aplicação das cotas raciais. As medidas passam a valer a partir deste ano de 2024.
Uma delas diz respeito à alternância de gênero em promoções por merecimento de juízes de carreira na Justiça estadual, federal e do trabalho. A ação afirmativa deverá ser adotada a partir de janeiro nas cortes em que houver menos de 40% de juízas de carreira no segundo grau.
A segunda resolução altera a política de incentivo à participação institucional de mulheres no Judiciário para determinar que os tribunais tenham, no mínimo, 50% de mulheres – incluindo mulheres transexuais e de gênero fluido.
A regra vale para designações de juízes como auxiliares, preenchimento de cargos de chefia, assessoramento e mesmo de direção, quando forem de livre indicação. Também deve ser aplicada na composição de colegiados, mesas de eventos institucionais e na contratação de estagiários e de empresas prestadoras de serviços terceirizados.
Outra resolução, aprovada na última sessão do Conselho em 2023, estabelece regras para a criação de comissões de heteroidentificação em concursos públicos do Judiciário.
Comissões
Em novembro, o CNJ aprovou um novo exame nacional para ingresso na magistratura. Negros e indígenas terão uma nota de corte diferenciada de 50%, enquanto os demais concorrentes deverão acertar ao menos 70% das questões da prova. Os cotistas deverão passar por comissão de heteroidentificação do Tribunal de Justiça do Estado de seu domicílio antes do exame.
A normativa aprovada agora passa a valer em abril e estabelece os parâmetros para o funcionamento dessas comissões e de demais concursos.
Os grupos serão compostos por cinco integrantes com maioria negra. Entre os requisitos está a formação em um curso sobre relações raciais e enfrentamento ao racismo. A resolução também cria um banco de dados para cadastramento de profissionais interessados em compor as bancas.
O procedimento de heteroidentificação levará em conta o fenótipo dos candidatos, observando cabelo, tom de pele, nariz e boca.
Na primeira etapa, isso será feito por meio de fotos coletadas no momento da inscrição no concurso.
Candidatos cuja autodeclaração não for confirmada serão convocados para a segunda etapa, com verificação presencial ou telepresencial. Aqueles que não comparecerem ou forem reprovados perderão o direito às cotas, mas poderão disputar as vagas de ampla concorrência.
Presença
Em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o Coletivo Sankofa, formado por 120 Magistradas das Justiças Estadual, Federal e do Trabalho que buscam a paridade de gênero e racial no Poder Judiciário, avalia que as resoluções terão como principal consequência a presença de pessoas diversas com representatividade equitativa em cargos e posições do Judiciário.
“Esse ideal não apenas reflete a igualdade de oportunidades, mas também contribui para a legitimidade e eficácia das decisões judiciais. A diversidade de experiências, vivências e pontos de vista enriquece a tomada de decisões e possibilita que vieses equivocados sejam mitigados”, declara.
Para o Coletivo, o reconhecimento da importância da igualdade de gênero e raça em nível nacional fortalece a democracia e visa a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, “o que atinge de modo especial mulheres no exercício da advocacia, membros de carreira fundamental para promoção da justiça”.
“Nesse ponto, é relevante destacar que a OAB foi uma instituição precursora no reconhecimento da paridade de gênero e raça como necessária e indispensável política pública de reparação e inclusão, adotando normativa inspiradora para todo sistema de justiça”, afirma.
O grupo avalia que as resoluções do CNJ trazem para os tribunais obrigações que atendem demandas sociais voltadas a ampliar o acesso à justiça.
“Confere maiores e melhores oportunidades para ocupação de espaços de poder, com a diversidade como condição necessária. A normativa tem por escopo qualificar a prestação jurisdicional, prestigiando profissionais que, além da formação técnico-jurídica, também tenham experiências e vivências constituídas por diferentes cosmovisões que reflitam a realidade social e cultural vigentes, aproximando o Poder Judiciário dessa realidade”, pontua.
Efeitos amplos
Além disso, o Coletivo Sankofa acredita que os efeitos não estão somente ligados ao Judiciário, mas também a outras atividades direta ou indiretamente vinculadas a ele.
“A advocacia é uma dentre as instituições que serão impactadas por essa importante política pública. A composição diversa traz a possibilidade de que advogadas, e em especial advogadas negras, encontrem no sistema de justiça o reconhecimento de que possuem conhecimento diferenciado diante das suas experiências e visões de mundo e assim poderão desenvolver plenamente a advocacia livre de discriminações de gênero e raça que as constranjam ou as afastem desse espaço que é necessário para ampliar e qualificar a resolução de demandas da sociedade”, declara.
O Coletivo exalta também a decisão de tornar a nota de corte diferenciada para pessoas negras e indígenas.
“Isso propicia a necessária e imperiosa redemocratização da própria estrutura do Poder Judiciário brasileiro. Apresenta-se relevante para que a representatividade de pessoas negras e indígenas possa alcançar patamar que corresponda ao perfil da sociedade brasileira. Ao pôr em evidência situações de desigualdade étnico-raciais historicamente invisibilizadas, ou mesmo naturalizadas, abre oportunidade para que a sociedade passe a se ver representada no Poder Judiciário”, declara.
Recentemente, o Coletivo Sankofa apresentou ao CNJ pedido de providências postulando a ampliação da política afirmativa para abranger a cota para pessoas com deficiência.
Fonte: IBDFAM