Registro de Nascimento tardio: um caminho para a cidadania

A ARPEN/GO conversou com oficial Paulo Roberto Siqueira Sousa, que explicou como funciona o processo para pessoas que nunca foram registradas e destaca a importância desse direito para o acesso pleno aos serviços públicos e privados e garantias fundamentaisParte superior do formulárioParte inferior do formulário

O registro civil de nascimento é o primeiro e mais fundamental passo para o exercício pleno da cidadania. Sem ele, uma pessoa se torna invisível perante o Estado e a sociedade, privada de direitos básicos como acesso à educação, saúde, trabalho formal, benefícios sociais e até mesmo de algo tão essencial quanto a identidade. Ainda hoje, infelizmente, muitas pessoas, especialmente de grupos vulneráveis, seguem à margem desse direito, seja por dificuldades geográficas, desconhecimento, omissão familiar ou outras barreiras sociais. O chamado registro de nascimento tardio surge como uma solução necessária e humanitária para garantir que ninguém fique sem esse reconhecimento.

Conversamos com Paulo Roberto Siqueira Sousa, Oficial de Registro e Tabelião no Estado de Goiás, que explicou com clareza o que é o registro de nascimento tardio, como ele funciona na prática e por que é tão importante para a efetivação dos direitos humanos. De acordo com o oficial, apesar de existir um prazo legal para que o nascimento seja declarado, a legislação brasileira garante que ninguém fique sem certidão, mesmo que esse prazo tenha sido ultrapassado. Para isso, existe um procedimento específico, seguro e respaldado por testemunhos, que pode ser solicitado pelo próprio interessado, familiares ou representantes legais — inclusive com a atuação do Ministério Público em alguns casos.

Além disso, Paulo ressalta que o combate ao sub-registro é uma prioridade para os cartórios e para o Poder Público, com iniciativas como o Programa Registre-se! E a instalação de unidades interligadas em maternidades, que facilitam o acesso imediato ao documento. Ele reforça que não há razão para vergonha ou medo por parte de adultos que ainda não possuem certidão de nascimento: o direito é garantido, gratuito e indispensável para que todos possam viver com dignidade, acessar políticas públicas e ter reconhecida sua identidade no mundo.

Confira a entrevista na íntegra:

ARPEN/GO: O que significa exatamente o registro de nascimento tardio?

Paulo Roberto: O registro de nascimento tardio ocorre quando o nascimento é declarado, portanto, realizado após o prazo legal estabelecido. Esse prazo, conforme a Lei n. 6.015 de 1973, é de 15 dias, podendo ser ampliado para 45 dias no caso de impedimento de um dos pais ou poderá ser de até três meses quando ocorrer em lugares distantes mais de 30 quilômetros da sede do cartório. É importante ressaltar que o não cumprimento desse prazo não impede a realização do registro, que passará a ser considerado extemporâneo, aplicando-se um procedimento específico que é conhecido como registro de nascimento tardio.

ARPEN/GO: Por que o registro civil é tão essencial para garantir a cidadania e os direitos de uma pessoa?

Paulo Roberto: O registro civil de nascimento é fundamental para o exercício da cidadania e dos direitos humanos. É por meio dele que teremos acesso à documentação de identificação, educação, saúde e emprego. Esse ato é essencial para individualização de cada pessoa perante o Estado, possibilitando exercer seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

O direito ao registro de nascimento foi inclusive elevado ao status de direito humano pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que dispõe que toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome. Isso demonstra o quanto os cartórios contribuem para garantir a todos e em diversos locais o acesso à cidadania.

ARPEN/GO: Na sua experiência, quais são os perfis mais comuns de pessoas que chegam ao cartório sem nunca terem sido registradas?

Paulo Roberto: Diversos perfis de pessoas e por variados motivos comparecem aos cartórios sem o registro de nascimento. O sub-registro é mais prevalente em grupos populacionais vulneráveis como pessoas em situação de rua, comunidades quilombolas, povos isolados em locais remotos e sem acesso aos serviços básicos. Além desses grupos, o procedimento de registro tardio é frequentemente utilizado por pessoas que não foram registradas dentro do prazo legal, por impossibilidade, falta de informação ou omissão dos pais, ou responsáveis ao nascerem.

ARPEN/GO: Como funciona, na prática, o processo de registro de nascimento tardio?

Paulo Roberto: O procedimento específico para o registro de nascimento tardio será solicitado por meio de requerimento ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do lugar de residência do interessado. Para pessoas sem moradia ou residência fixa a competência é do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do local onde o interessado se encontrar.

O requerimento deve conter diversas informações, como dia, mês, ano e lugar do nascimento, sexo, nome completo, se é gêmeo, nomes dos pais (naturalidade, profissão, residência), nomes dos avós (se a filiação estiver estabelecida). Além disso, exige a atestação, sob responsabilidade civil e criminal, por 2 testemunhas entrevistadas pelo Oficial ou preposto autorizado, acerca da identificação do registrando e outros fatos declarados. É solicitada a fotografia do registrando e, se possível, sua impressão digital para arquivamento.

O Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais deve zelar pela higidez e segurança jurídica do ato, considerando sempre sua realização como um ato essencial à cidadania e ao combate ao sub-registro.

ARPEN/GO: Quem pode solicitar esse registro? A própria pessoa, um familiar, um representante legal?

Paulo Roberto: O legitimado principal para requerer o registro tardio é o próprio interessado, pessoalmente ou por meio de seus representantes legais.

O Ministério Público também é reconhecido como legitimado dentro de suas atribuições para requerer o registro tardio de nascimento atuando como assistente ou substituto em favor de pessoa tutelada pelo Estatuto da Pessoa Idosa, ou em favor de incapaz submetido à interdição provisória, ou definitiva, sendo omisso o Curador.

ARPEN/GO: Quais documentos ou testemunhas são exigidos para comprovar a existência e a identidade da pessoa?

Paulo Roberto: Para comprovar a existência e identidade da pessoa no registro tardio, a legislação exige a presença e oitiva de 2 (duas) testemunhas. Essas testemunhas devem ser qualificadas por meio de documento de identidade que permita a segura identificação (nome completo, data de nascimento, nacionalidade, estado civil, profissão, residência, números de documento de identidade e número de inscrição no CPF) e, sob responsabilidade civil e criminal, atestar a identidade do registrando e seu conhecimento sobre os fatos declarados. Para pessoas com mais de doze anos, as testemunhas devem assinar o requerimento na presença do oficial ou preposto autorizado e são entrevistadas separadamente.

ARPEN/GO: Há diferença no processo de registro tardio em relação à idade da pessoa?

Paulo Roberto: Sim, existem algumas especificidades no processo de registro tardio dependendo da idade do registrando.

Para pessoas com mais de 12 anos, o procedimento é mais complexo e inclui entrevistas separadas do interessado e das testemunhas pelo Oficial ou escrevente autorizado, com o objetivo de evitar fraudes e duplicidades. As entrevistas visam verificar, entre outros pontos, se o registrando se expressa em português, conhece a localidade declarada como residência, as razões para o registro tardio, a idade e o conhecimento dos fatos pelas testemunhas, escolas frequentadas, unidades de saúde, irmãos (e onde registrados), casamento (e onde registrado), filhos (e onde registrados), e a existência de documentos anteriores (como carteira de trabalho, título de eleitor, RG).

Sendo o registrando menor de 12 anos de idade, ficará dispensado o requerimento escrito e o comparecimento das testemunhas se for apresentada pelo declarante a Declaração de Nascido Vivo (DNV), devidamente preenchida por profissional da saúde ou parteira tradicional.

Em casos de criança com menos de 3 anos, nascida sem assistência de profissional da saúde ou parteira tradicional, o oficial deverá preencher a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e comunicará o ato ao Ministério Público nos cinco dias seguintes, enviando os dados da criança, dos pais e o endereço do nascimento.

ARPEN/GO: Quais são os principais impactos sociais e legais enfrentados por quem não possui registro de nascimento?

Paulo Roberto: O registro de nascimento é essencial para o exercício da cidadania e dos direitos humanos. Sem a certidão de nascimento, não será possível individualizar a pessoa por meio do nome, idade, nacionalidade e filiação limitando, assim, o acesso pleno aos serviços e benefícios sociais disponibilizados pelo Estado como educação, saúde, emprego, obtenção de outros documentos de identificação e prova de estado civil. Os impactos incluem a impossibilidade de exercer plenamente direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, especialmente para grupos vulneráveis.

ARPEN/GO: Como a ausência do registro civil compromete o acesso a serviços essenciais como saúde, educação, trabalho formal e benefícios sociais?

Paulo Roberto: A ausência do registro civil de nascimento compromete de maneira significativa o acesso a serviços essenciais e ao pleno exercício da cidadania. O registro civil é o pré-requisito para a obtenção de outros documentos básicos.

Sem a certidão de nascimento, a pessoa não pode trabalhar com carteira assinada, não recebe benefícios do Estado, não tem acesso à educação, à saúde, ou a qualquer serviço público indispensável. Também não tem acesso à Justiça, não vota nem é votada, e não pode contrair matrimônio. A certidão de nascimento, portanto, abre as portas para o exercício de todos esses direitos.

Além disso, a ausência desses registros agrava o problema social por falta de dados que permitam identificar a população, indicando idade, número de famílias legalmente constituídas ou não, sexo e nível educacional. Sem dados precisos, os indicadores demográficos e sociais obtidos podem não retratar a real condição da população, dificultando o planejamento de políticas públicas e distribuição correta de recursos para o ensino, saúde, nutrição, segurança alimentar, programas habitacionais, programas sociais e segurança pública.

ARPEN/GO: Existem campanhas ou iniciativas do cartório, ou do poder público para identificar e registrar pessoas que ainda não têm certidão de nascimento?

Paulo Roberto: Sim, existem diversas campanhas e iniciativas dos cartórios, juntamente com o Poder Público e outras entidades para combater o sub-registro de nascimento e universalizar o acesso ao registro civil. Diversas ações têm sido realizadas com este objetivo, como programas sociais, medidas legislativas, campanhas e políticas públicas, com a participação do Ministério da Saúde, Ministério de Direitos Humanos, Associações dos Registradores Civis de Pessoas Naturais, Associações dos Notários e Registradores, Corregedorias da Justiça dos Estados, CNJ e Organizações Internacionais.

Exemplos de iniciativas incluem:

  • O Programa Registre-se! que é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, instituída pelo Provimento Nº 140/2023, editado pela Corregedoria Nacional de Justiça com o objetivo de erradicar o sub-registro civil de nascimento e ampliar o acesso à documentação básica por pessoas em situação de vulnerabilidade, promovendo a cidadania plena.
  • A instalação de unidades interligadas em estabelecimentos de saúde (maternidades) para permitir o registro de nascimento ainda no local do parto. Esta é uma ferramenta importante no combate ao sub-registro.

ARPEN/GO: O que pode ser feito para tornar esse direito mais acessível, especialmente em comunidades vulneráveis ou regiões remotas?

Paulo Roberto: Para tornar o registro civil mais acessível, especialmente em comunidades vulneráveis e regiões remotas, há possibilidade de adoção de diversas medidas:

  • Capilaridade dos Serviços: A presença dos serviços notariais e registrais, particularmente os de registro civil, em todos os municípios, mesmo onde o Poder Judiciário não está presente, é um fator importante de acessibilidade. Há pelo menos um registrador civil em cada sede municipal.
  • Unidades Interligadas: A instalação de unidades interligadas em estabelecimentos de saúde permite o registro de nascimento imediatamente após o parto, facilitando o acesso e combatendo o sub-registro desde os primeiros dias de vida.
  • Convênios: A celebração de convênios entre o Poder Judiciário, os serviços notariais e registrais e demais entidades, por exemplo, utiliza a capilaridade dos cartórios para promover o acesso à justiça de forma célere e acessível para população. Convênios também permitem que os cartórios auxiliem na emissão de outros documentos de identificação.
  • Acesso a Bases de Dados: O acesso dos registradores a bases de dados de identificação civil e biométrica dos usuários, mediante convênio com órgãos públicos, pode conferir maior segurança aos atos e auxiliar na identificação de pessoas em registros tardios, incluindo aquelas em situação de rua ou idosas.
  • Uso da Tecnologia pelos Cartórios: O Brasil tem avançado significativamente na digitalização de seus serviços cartorários nos últimos anos, com destaque para o Registro Civil de Pessoas Naturais. O futuro aponta para uma integração ainda maior entre os cartórios e outros órgãos públicos, com uso de tecnologia que representa um passo importante para tornar os serviços mais acessíveis, eficientes e seguros para os cidadãos.

Estas medidas contribuem para aumentar o acesso ao registro civil, especialmente para os grupos sociais mais vulneráveis.

ARPEN/GO: Que mensagem o senhor(a) deixaria para pessoas adultas que nunca foram registradas e têm receio ou vergonha de buscar esse direito agora?

Paulo Roberto: O registro de nascimento é fundamental para o exercício da cidadania. Trata-se de um direito universalmente gratuito e a sua falta configura uma situação de exclusão social.

Por meio do registro de nascimento o indivíduo terá acesso pleno aos diversos benefícios e serviços públicos disponibilizados pelo Estado e poderá superar as barreiras que a falta de documentação impõe.

ARPEN/GO: Como a sociedade pode ajudar a garantir que todos tenham acesso ao registro civil?

Paulo Roberto: Garantir que todos tenham acesso ao registro civil envolve esforços conjuntos que incluem a família, os cartórios, a sociedade e o Estado. É importante que exista uma conscientização de toda a sociedade para necessidade de combate e redução do sub-registro.

A colaboração entre diferentes entidades, com a parceria entre registradores civis, entidades e o Poder Judiciário na busca ativa de pessoas sem registro. A criação de convênios entre o Poder Judiciário e os serviços notariais e registrais para promover o acesso à justiça e à cidadania aproveitando a ampla presença dos cartórios, que são considerados “Ofícios da Cidadania”.

A sociedade se beneficia desses dados para o desenvolvimento do país. Ao reconhecer a essencialidade do registro civil para a cidadania e direitos humanos, e ao apoiar as iniciativas de universalização e busca ativa, contribui para garantir que mais pessoas tenham sua existência jurídica reconhecida e possam exercer plenamente seus direitos.

Por Camila Braunas. Assessoria de Comunicação da ARPEN/GO.

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TABELA XVI

ATOS DOS OFICIAIS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELAS ANO 2022

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