Avanços legislativos e desafios dos Direitos Parentais: um olhar sobre casais homoafetivos no Brasil

Christiano de Lima e Silva Melo, advogado e atual Presidente da Comissão de Direito das Famílias da OAB/GO, conversou com a Arpen/GO sobre os direitos de casais homoafetivos em processos de adoção e construção de família

Nos últimos anos, os avanços legislativos em prol dos direitos dos filhos de casais homoafetivos têm marcado uma importante evolução no cenário jurídico brasileiro. Desde o histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal em 2011, que reconheceu a união homoafetiva e equiparou os direitos dos casais heteroafetivos aos homoafetivos, até as resoluções mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a discriminação à adoção por pessoas homoafetivas, tem-se observado uma mudança significativa no panorama legal.

Esses avanços refletem não apenas a conquista de direitos fundamentais, mas também a consolidação de uma sociedade mais inclusiva e igualitária. Questões como registro civil e reconhecimento legal da paternidade socioafetiva têm sido regulamentadas de forma mais abrangente, como evidenciado pelos Provimentos nº 63/2017 e nº 83/2019 do CNJ, que estabelecem procedimentos claros para o reconhecimento da parentalidade.

Além disso, a legislação referente à adoção por casais homoafetivos tem se mostrado cada vez mais alinhada aos princípios de igualdade e proteção dos direitos da criança, embora desafios sociais ainda persistam. A recente posição do CNJ contra qualquer diferenciação na adoção entre famílias heteroafetivas e homoafetivas reforça esse compromisso com a equidade.

No entanto, apesar desses avanços, ainda há desafios a serem enfrentados, especialmente quando se trata de questões internacionais, como viagens para países com legislações menos favoráveis à situação dos pais homoafetivos. Nesses casos, a falta de reconhecimento da parentalidade e a possibilidade de discriminação podem representar obstáculos significativos.

Diante desse contexto, é fundamental que os pais homoafetivos conheçam seus direitos e recursos legais disponíveis para proteger sua parentalidade, seja por meio de contratos de co-parentalidade, assistência jurídica especializada ou ações judiciais.

Para entender melhor sobre esse assunto, a Arpen/GO conversou com Christiano de Lima e Silva Melo, advogado e atual presidente da Comissão de Direito das Famílias da OAB/GO. Ele ressaltou algumas implicações importantes a respeito dos avanços legislativos relacionados aos pais homoafetivos.

Confira a entrevista na íntegra:

Quais são os principais avanços legislativos relacionados aos direitos de filhos de casais homoafetivos ao longo dos últimos anos?

Christiano de Lima: Em 5 de maio de 2011, por meio de uma decisão histórica do STF, a comunidade LGBT comemorou o reconhecimento da união homoafetiva. Mais do que uma celebração, essa decisão trouxe consigo a equiparação de direitos entre as uniões heteroafetivas e homoafetivas, ultrapassando os limites tanto do Código Civil quanto da Constituição Federal.

Isso implica que todos os direitos adquiridos pelos cônjuges e companheiros dos casais heteroafetivos serão estendidos aos casais homoafetivos, abrangendo questões como ordem sucessória, participação no patrimônio e divisão com os demais herdeiros, direitos trabalhistas, previdenciários, entre outros. Portanto, os casais homoafetivos que se unem conforme a lei são reconhecidos tanto pelo Código Civil quanto pela Constituição Federal.

Além disso, destacamos o registro de maternidade e paternidade socioafetiva, que beneficia todos os tipos de famílias, e a recente resolução do CNJ contra a discriminação à adoção por pessoas homoafetivas.

Em termos de registro civil, quais são os procedimentos e requisitos para garantir o reconhecimento legal de filhos de casais homoafetivos?

Christiano de Lima: De acordo com o Provimento nº 63/2017 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, posteriormente editado pelo Provimento nº 83/2019, é possível requerer o reconhecimento da paternidade socioafetiva em cartório, desde que preenchidos os requisitos legais. Nos artigos 10 e 11 do referido provimento, podemos ver os requisitos:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diversos daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.

Como a legislação aborda questões de filiação e parentalidade em casos de adoção por casais homoafetivos? Existem diferenças em relação aos casais heterossexuais?

Christiano de Lima: No Brasil, a legislação referente à adoção é a mesma para casais homoafetivos e heteroafetivos. A Lei da Adoção (Lei nº 12.010/2009) estabelece os mesmos critérios e procedimentos para adoção, independentemente da orientação sexual dos adotantes. No entanto, na prática, ainda podem ocorrer desafios que dificultam a adoção por parte de casais homoafetivos, principalmente em instâncias sociais e culturais. Embora a lei seja igualitária, a aplicação efetiva pode variar de acordo com percepções individuais e interpretações pessoais de profissionais e instituições envolvidas no processo de adoção. Visando enfrentar tal situação, o CNJ emitiu uma resolução contra esse tipo de situação.

Quais são os procedimentos legais envolvidos no reconhecimento da parentalidade homoafetiva, como adoção ou reprodução assistida?

Christiano de Lima: A conquista do direito à Reprodução Assistida é uma recente vitória para os casais homoafetivos. Até 2013, a realização do desejo de ser pai ou mãe estava limitada à adoção, mas com o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, o Conselho Federal de Medicina (CFM) alinhou-se a essa decisão, garantindo o acesso a tratamentos em clínicas de Reprodução Humana.

A atualização das normas de Reprodução Assistida no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 2.294, de 27 de maio de 2021, é um marco significativo. Pela primeira vez, os direitos também foram estendidos às pessoas transgêneras, que antes não eram contempladas pela lei.

É importante ressaltar que os casais homoafetivos têm o direito de registrar o bebê, seja no nome das duas mães ou dos dois pais, diretamente nos cartórios de registro civil, sem a necessidade de autorização judicial. A certidão de nascimento será emitida sem entraves legais para isso.

Como a legislação local aborda questões de adoção por casais homoafetivos e quais são os requisitos e procedimentos envolvidos?

Christiano de Lima: Conforme explicamos anteriormente, no Brasil, a adoção é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, alterado pela Lei 12.010/09, e pelo Código Civil, com o Estatuto prevalecendo para adoção de crianças e adolescentes até dezoito anos. Os requisitos incluem idade mínima de 18 anos para o adotante e uma diferença de pelo menos 16 anos entre ele e o adotado, permitindo adoção singular ou conjunta por casais casados ou em união estável.

A legislação não impõe requisitos de origem racial, religiosa, política ou sexual, em conformidade com a Constituição Federal, que repudia qualquer forma de preconceito. Embora o tema da adoção por casais homoafetivos não seja explicitamente abordado, é uma realidade atual que merece consideração. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil, consagra o princípio do “melhor interesse da criança”.

Este princípio, incorporado ao sistema jurídico brasileiro, orienta a proteção da infância e adolescência, garantindo que o menor seja amparado durante seu processo de formação. Neste sentido, em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) posicionou-se contra qualquer diferenciação na adoção entre famílias heteroafetivas e homoafetivas.

Quais são os desafios legais que os pais homoafetivos podem enfrentar ao viajar para países com leis menos favoráveis à sua situação?

Christiano de Lima: Os pais homoafetivos podem enfrentar uma série de desafios legais ao viajar para países com leis menos favoráveis à sua situação. Alguns desses desafios incluem:

Reconhecimento da parentalidade: Em muitos países, a parentalidade de casais homoafetivos pode não ser reconhecida legalmente, o que pode levar a complicações em relação à autoridade parental e direitos de tomada de decisões em relação aos filhos.

Restrições de entrada: Em alguns países, os pais homoafetivos podem enfrentar restrições de entrada ou até mesmo proibições, especialmente se não forem reconhecidos como os pais legais de seus filhos de acordo com as leis locais.

Possíveis ações legais: Em casos extremos, os pais homoafetivos podem enfrentar ações legais, como proibições de viagens, sequestro de crianças por parte de autoridades locais ou litígios relacionados à parentalidade ao retornar ao seu país de origem.

Discriminação e tratamento desigual: Em países com leis menos favoráveis à comunidade LGBTQ+, os pais homoafetivos e suas famílias podem enfrentar discriminação, estigmatização e tratamento desigual por parte das autoridades, instituições e da sociedade em geral.

É fundamental que os pais homoafetivos estejam cientes das leis e regulamentos do país para onde estão viajando, bem como dos possíveis desafios legais que podem enfrentar. Antes de viajar, é aconselhável buscar orientação legal especializada.

Quais são os direitos legais dos pais homoafetivos em caso de separação ou divórcio, especialmente em relação à guarda dos filhos e pensão alimentícia?

Christiano de Lima: A guarda e pensão alimentícia na separação homoafetiva seguirão as mesmas normas dos casais heteroafetivos.

Como os contratos de co-parentalidade ou acordos de coabitação podem ser elaborados para proteger os direitos dos pais homoafetivos?

Christiano de Lima: Os contratos de co-parentalidade ou acordos de coabitação são especialmente importantes, pois fornecem uma estrutura legal para a parentalidade e convivência, ajudando a evitar conflitos e incertezas no futuro. Aqui estão algumas maneiras de elaborar esses contratos:

Definição de papéis e responsabilidades: O contrato deve estabelecer claramente os papéis e responsabilidades de cada pai ou co-pai em relação ao cuidado, educação e sustento dos filhos. Isso inclui questões como divisão de despesas, tempo de convivência com os filhos e tomada de decisões importantes.

Guarda e visitação: O contrato deve abordar questões relacionadas à guarda e visitação dos filhos em caso de separação ou término da relação entre os pais. Isso pode incluir detalhes sobre a guarda compartilhada, regime de visitas, feriados e férias, entre outros.

Questões financeiras: O contrato deve incluir disposições sobre questões financeiras, como pensão alimentícia, despesas com saúde, educação e outras necessidades dos filhos. É importante estabelecer claramente como as despesas serão divididas e como serão feitos os pagamentos.

Resolução de conflito: O contrato deve incluir um processo para a resolução de conflitos e disputas entre os pais, seja por meio de negociação, mediação ou arbitragem. Isso ajuda a evitar litígios desnecessários e a resolver questões de forma amigável e eficiente.

Reconhecimento legal: Embora os contratos de co-parentalidade ou acordos de coabitação não sejam reconhecidos como instrumentos legais vinculativos em todas as jurisdições no Brasil, eles ainda têm valor como prova de intenção e compromisso entre os pais. É recomendável que os contratos sejam elaborados com a orientação de um advogado especializado em direito de família para garantir sua validade e eficácia. Além disso, servem para delimitar o alcance da parentalidade, como no caso de uma barriga solidária.

Em suma, os contratos de co-parentalidade ou acordos de coabitação são importantes para proteger os direitos dos pais homoafetivos, oferecendo uma estrutura legal para a parentalidade e convivência com os filhos. Para isso, é fundamental consultar um especialista.

Quais são os recursos legais disponíveis para pais homoafetivos que enfrentam discriminação ou violação de direitos em relação à sua parentalidade?

Christiano de Lima: Os pais homoafetivos têm diversos recursos legais para proteger sua parentalidade em casos de discriminação ou violação de direitos. Isso inclui ações judiciais para reconhecimento da parentalidade, apoio da Defensoria Pública, intervenção do Ministério Público, suporte de organizações da sociedade civil e assistência de advogados especializados em direitos LGBTQ+ e direito de família. É essencial buscar orientação jurídica e tomar medidas legais para garantir seus direitos e os direitos de seus filhos.

Fonte: Assessoria da Arpen/GO.

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TABELA XVI

ATOS DOS OFICIAIS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELAS ANO 2022

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