Lendo um ensaio elaborado pelo Professor António Menezes Cordeiro, Catedrático da Clássica de Lisboa, em um erudito estudo de direito comparado, com subtítulo intitulado de “Breves reflexões suscitadas pelo projeto de reforma do Código Civil brasileiro de 2002”[1], irei proceder, ao azo, uma rápida análise deste texto à luz do que dele consta e de sua projeção no contrato de seguro de responsabilidade civil que penso ser pertinente e adequado neste tema que, aliás, discorri alhures em diversos artigos circulados em relação àquela modalidade securitária.
É de sabença geral que a responsabilidade civil é um tema de alta complexidade e de um amplexo que abarca um cuidadoso estudo na ciência jurídica com a qual se deve ter uma cautela extremada no trato desta matéria.
Seja ela, responsabilidade civil, de disposições insertas em nosso Código Civil, quer no concernente à sua tipicidade no Código Penal.[2]
O elemento culpa é um ponto em que gravita em toda a estrutura da responsabilidade civil, salvante as hipóteses legais da responsabilidade objetiva, vale dizer, aonde não se perquire a culpa no ato do agente.[3]
A responsabilidade civil é um princípio jurídico que obriga uma pessoa a reparar o dano causado a outra em virtude de uma ação ou omissão que viole um dever jurídico. Esse conceito é fundamental no direito e permeia diversas áreas, sendo especialmente relevante para o setor de seguros. A responsabilidade civil é tratada como um dos principais objetos de seguro, pois os riscos associados a danos a terceiros são uma das causas mais frequentes de sinistros.
Portanto, a responsabilidade civil pode ser entendida como a obrigação de um agente reparar danos que tenha causado a outrem.
Antes de se adentrar propriamente no seguro de responsabilidade civil, como mencionei supra, António Menezes Cordeiro em estudo constituído de 35 alentadas páginas faz uma percuciente análise de direito comparado, entre eles, o direito francês, alemão, português e o nosso Código Civil de 16, – Código Beviláqua – e o atual com foco na sua reforma plasmada em projeto de lei.
Para o mencionado jurisconsulto o direito francês conserva, “quanto à responsabilidade, a sua feição do início”. É certo, prossegue, “que alguma doutrina tem vindo a completar a previsão do artigo 1382 (hoje 1240), no Código Civil napoleônico, com referência à ilicitude. A doutrina dominante conserva, todavia, o papel fundamental da faute”. [4] Grifo meu.
Tratando desta matéria no ensaio acima epigrafado, registra:
Ao contrário do BGB[5], “o Código português não refere os deveres do tráfego, antes mantendo a referência tradicional à diligência do bom pai de família – artigo 472º/2. Esta disposição levanta algumas dificuldades. Em princípio, o artigo 487º/1, reporta-se à culpa lato sensu, englobando, assim, o dolo e a negligência. Sustentamos, contudo, que o nº 2 dessa mesma disposição tem, fundamentalmente, em vista a negligência. Efetivamente, o dolo é, pelo seu teor incisivo, de fácil apreciação: basta contatar a vontade de prevaricar, isto é, de não acatar a norma jurídica cuja violação provoque o dano a imputar”.[6]
Em sede de considerações finais de sua não tão breve apreciação[7] como assinalou, diz o jurista lusitano:
“O projeto de reforma, no tocante à responsabilidade civil, é obra complexa e meritória. Revela uma grande cultura jurídica e muita coragem, por parte dos seus ilustres autores. Como é evidente, não nos pronunciamos sobre a sua oportunidade: matéria da competência do Congresso, sujeita à apreciação da comunidade jurídica brasileira”.[8]
Porém, no final de seus ensinamentos doutrinários não deixa de convidar a atenção para a necessidade de:
“1. Deixar mais clara a contraposição básica entre a responsabilidade delitual ou aquiliana e a responsabilidade contratual;
- afinar os pressupostos da responsabilidade delitual: ilicitude, culpa e nexo causal, como os mais delicados; mas evitaria definições, que serão prontamente ultrapassadas pela doutrina e pela jurisprudência;
- admitir, para este tipo de responsabilidade, um esquema de sistema móvel;
- estudar os temas das cláusulas de exoneração de responsabilidade e da imputação pelo risco, sem limites;
- alinhar a linguagem nas imputações especiais: guarda de pessoas, ruína de construção e animais perigosos, entre outros; ponderar a introdução de hipótese de relevância negativa de causa virtual;
- afastar as ideias de terceira via e limitações ao interesse negativo; a indenização dever ser, sempre, total”.[9]
De sua vez, o projeto do Marco Legal do Seguro, aprovado recentemente por nosso Congresso Nacional, objetiva modernizar o setor de seguros no Brasil, tornando-o mais alinhado com as práticas internacionais. No caso do Seguro de Responsabilidade Civil, o marco traz maior clareza nas definições de cobertura, obrigações das partes e limites de indenização, além de detalhar as situações específicas em que o segurado é responsabilizado por danos a terceiros.
Tampouco, sem olvidar que o nosso atual Código Civil contempla o instituto do seguro de responsabilidade civil em apenas dois dispositivos legais.[10]
Essa legislação implementada pela aprovação da Lei de Seguros por parte de nosso Congresso Nacional, objeto de futura sanção presidencial, como dito acima, busca aumentar a segurança jurídica, tanto para seguradoras quanto para segurados, incluindo medidas para acelerar a resolução de conflitos e incentivar o desenvolvimento de novos produtos de responsabilidade civil. Este projeto, aprovado por nossos legisladores, também reforça o papel da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) na regulamentação e fiscalização das práticas do mercado.
É preciso, então, que se visualize como repetidamente tenho dito, para que esta reforma de nosso atual Código Civil não entre em testilhas com a proliferação de leis e projetos de lei ainda em andamento no Congresso Nacional.
Para tanto é indispensável um verdadeiro “pente fino” neste cipoal de leis e até de regulamentos que extrapolem uma Lei específica, visando formatar uma coluna dorsal que se coadune com normas de mesma hierarquia e que objetivem o ideal máximo da proposta de uma Teoria Pura de Direito, identificando e acentuando o que é específico no direito. Assim, estar-se-á conferindo à ciência jurídica singularidade metodológica em relação a elementos próprios de outras abordagens científicas do mesmo fenômeno, sem ignorar que o direito é sempre um dever ser, segundo seu autor genial à sua época, Hans Kelsen[11].
Acredito e penso assim, que desta forma, ajustando melhor o instituto da responsabilidade civil em nossa atual reforma do Código Civil e, afastando qualquer projeto de lei que trate do contrato de seguro, mormente no que concerne ao seguro de responsabilidade civil de outros projetos já implementados, ou que se pretendam acrescer ao tema, cedam num todo, posto que o Marco Legal do Seguro, cujo embrião floresceu do IBDS e já nasceu, qualquer adendo legal posterior poderá causar sérios prejuízos à coletividade através de uma disseminação legal que hoje não se faz oportuna.
É o que cabia informar.