A ARPEN/GO conversou com o juiz Élios Mattos de Albuquerque Filho, que explicou como ocorre o registro da adoção no cartório de registro civil, os cuidados com a identidade do adotado e a importância da regularização para garantir direitos e vínculos familiares
A adoção é um dos atos mais significativos e transformadores no campo do Direito de Família, representando não apenas a formação de um novo núcleo familiar, mas também a garantia de direitos fundamentais para crianças e adolescentes. Além do acolhimento emocional, o processo envolve uma série de etapas jurídicas que precisam ser rigorosamente cumpridas para assegurar a proteção integral do adotado. Uma das fases mais importantes e, muitas vezes, pouco compreendidas pelos pais adotivos, é o registro da sentença de adoção no registro civil, onde será emitida a nova certidão de nascimeneto do adotado.
Para esclarecer esse momento tão simbólico, a ARPEN/GO, conversou com o juiz de Direito Élios Mattos de Albuquerque Filho, titular da 1ª Vara (Cível, de Família, Sucessões e da Infância e Juventude) da comarca de Goianésia e responsável também pelo 1º Juizado da Infância e da Juventude das causas cíveis e administrativas de Goiânia. Com sua experiência à frente de casos de adoção, o magistrado explica como se dá a emissão do novo registro de nascimento da criança após a sentença judicial, quais informações são alteradas, o que determina a lei sobre a identidade do adotado e quais cuidados são tomados para preservar sua privacidade.
Na entrevista, Dr. Élios também detalha o tratamento dado aos casos de adoção por casais homoafetivos, às adoções unilaterais — recentemente atualizadas por provimento do CNJ — e às adoções internacionais. Por fim, reforça a importância de compreender a regularização registral não como um simples trâmite burocrático, mas como o reconhecimento legal da nova configuração familiar, conferindo ao adotado pertencimento, dignidade e plenos direitos.
Confira a entrevista na íntegra:
ARPEN/GO: Dr. Elios, após a sentença de adoção ser proferida, o que acontece com o registro de nascimento da criança? Quais são os próximos passos no cartório de registro civil?
Élios Mattos: O vínculo da adoção será constituído por sentença, a qual deverá determinar a expedição de mandado para lavratura de novo registro junto ao livro de nascimento, sem expedição de certidão desse mandado (artigo 47, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência (artigo 47, § 3°, do ECA).
ARPEN/GO: O novo registro substitui totalmente o anterior? Há alguma menção à condição de adotado no novo?
Élios Mattos: Sim, conforme disposição do artigo 47, § 2°, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o mandado judicial determinará o cancelamento do registro original do adotado.
Não há menção sobre a condição de adotado no novo registro. O artigo 47, § 4°, do Estatuto da Criança e do Adolescente veda a inscrição de qualquer observação sobre a origem do ato nas certidões do registro.
ARPEN/GO: Quais informações são modificadas no registro civil após a sentença de adoção? Além do nome, o sobrenome dos pais adotivos é obrigatoriamente incluído?
Élios Mattos: A nova inscrição deverá consignar o nome dos adotantes como genitores e conferirá ao adotado o nome do adotante. A pedido de qualquer deles, a sentença também poderá determinar a modificação do prenome do adotando, o qual deverá ser previamente ouvido, caso tenha mais de 12 (doze) anos de idade (Art. 47, §§ 5° e 6°, do ECA).
Sim, é necessário que o registro conste o nome completo dos adotantes, bem como o nome de seus ascendentes (Art. 47, § 1°, do ECA).
ARPEN/GO: Existe prazo para que o novo registro seja feito após a decisão judicial?
Élios Mattos: A lei de regência não estabelece prazo específico para cumprimento do mandado do novo registro, mas é ideal que o ato seja cumprido de forma célere, a fim de garantir os plenos direitos do adotando.
ARPEN/GO: Como o Poder Judiciário garante a proteção da identidade e da privacidade da criança ou adolescente adotado nesse processo?
Élios Mattos: O Poder Judiciário assegura a proteção da identidade e da privacidade da criança ou adolescente adotado por meio de diversas medidas, entre as quais se destacam: a tramitação do processo em segredo de justiça, garantindo que apenas as partes, seus procuradores e o Ministério Público tenham acesso aos autos, o que preserva a intimidade do adotando e sua história de vida; e o controle rigoroso das informações constantes no mandado judicial, de modo que os dados sensíveis fiquem restritos, sem constar nas certidões emitidas, salvo expressa autorização legal.
ARPEN/GO: Como funciona o processo nos casos de adoção por casais homoafetivos ou adoção unilateral, quando apenas um dos cônjuges adota?
Élios Mattos: Atualmente, não há qualquer distinção jurídica ou procedimental entre a adoção por casais heteroafetivos e homoafetivos. É fundamental, contudo, que essa igualdade também se reflita na prática, por parte de quem aplica a norma, tanto no âmbito do Judiciário quanto no registral.
Nos casos de adoção unilateral, entretanto, houve recentes alterações pelo Provimento 191 de 25 de abril de 2025, que modificou o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça para uniformizar os procedimentos de registro diante dessa situação.
De acordo com o novo provimento, o registro primitivo não será cancelado. Será feita averbação no registro de nascimento original, substituindo o nome do pai ou da mãe biológicos pelo do adotante, com inclusão também dos ascendentes deste.
A averbação mencionará os dados do processo e do mandado, que não aparecerão nas certidões, salvo autorização legal.
ARPEN/GO: E no caso de adoção internacional: como é feito o procedimento do registro civil brasileiro?
Élios Mattos: No caso de adoção internacional deferida por autoridade judicial brasileira, quando a criança ou adolescente brasileiro é adotado por estrangeiros residentes fora do país, o regfistro é feito normalmente, nos termos do art. 47 do ECA e das normas da Corregedoria Nacional de Justiça, com a expedição do mandado para o cartório para lavratura do novo registro civil.
Se a adoção foi realizada no exterior, entretanto, antes do registro, é necessário o procedimento de homologação da sentença estrangeira junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
ARPEN/GO: Há diferenças no procedimento quando a criança é adotada ainda bebê e quando já é adolescente, por exemplo?
Élios Mattos: O procedimento de adoção é semelhante em ambos os casos. Contudo, no caso de adolescentes, caso haja pedido para modificação do prenome, está só poderá ocorrer com seu consentimento expresso, conforme o art. 47, §§ 5º e 6º do ECA.
ARPEN/GO: Qual é a importância da regularização do registro civil após a adoção para garantir todos os direitos da criança ou adolescente?
Élios Mattos: A regularização do registro civil após a adoção é essencial para a plena efetivação dos direitos da criança ou do adolescente, refletindo-se em diversos aspectos jurídicos, sociais e afetivos. Com a atualização do assento de nascimento, confere-se ao adotado o efetivo status jurídico de filho, com os mesmos direitos e deveres dos filhos biológicos, inclusive na condição de dependente. Garante-se, assim, o acesso a direitos civis, sociais e sucessórios, assegurando-lhe proteção integral. Ademais, a regularização do registro possibilita a integração definitiva da criança ou adolescente no novo núcleo familiar, fortalecendo os vínculos afetivos e promovendo seu pleno pertencimento à nova estrutura familiar e social.
ARPEN/GO: Que orientações o senhor deixaria para os pais adotivos sobre esse momento tão importante e muitas vezes desconhecido?
Élios Mattos: A regularização da adoção no registro é uma etapa essencial no processo de consolidação do vínculo jurídico entre os pais adotivos e o adotado, uma vez que refletirá a nova realidade familiar, com a inclusão do nome dos adotantes como pais, bem como de seus ascendentes, preservando todos os direitos decorrentes da filiação.
É necessário que se reconheça que a regularização registral não é apenas um trâmite formal: é o reconhecimento público e legal da nova configuração familiar, sendo, por isso, um passo simbólico e concreto de pertencimento e dignidade para o adotado.
Por Camila Braunas. Assessora de Comunicação da ARPEN/GO.